segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Resgatando os tempos antigos de honra no bom combate...

Fonte da imagem: http://wwwjaneladaalma.blogspot.com/2009/02/o-feminino-na-sociedade-celta.html

"Eis que vejo meu pai… Eis que vejo minha mãe, minhas irmãs e meus irmãos... Eis que vejo a linhagem de meu povo, desde o início. Sim, eles me chamam. Pedem que eu assuma meu lugar entre eles, nos Salões de Valhalla. Onde os BRAVOS vivem para sempre!"


Com essa invocação do panteão da linhagem ancestral, os vikings, resgatados pelas valquírias, lançavam-se, de peito aberto, no desconhecido caminho da Morte, sem medo em relação a terem vivido uma vida de mentiras, porque a HONRA era o centro da vida e da dedicação desses nobres guerreiros e guerreiras de luz.

Aprecio muito os filmes e as minisséries de fundo medieval, mítico e mágico, pois resgatam no imaginário e nos lembram a ideia de honra e dignidade outrora presentes nas relações humanas, parâmetros que parecem, na atualidade, ceder espaço à deslealdade e todas as dimensões de atropelos na lida com o ser humano, sobretudo na interface dos relacionamentos que se travam entre pessoas.

Gosto de apreciar os antigos duelos, as lutas e os combates, pois sempre acenaram, no colorido de minha mente fértil, para o pacto legítimo entre inimigos que se dispõem a se respeitar mutuamente, ainda que seja em face do extermínio de um pelo outro.

Basta assistir a filmes como O décimo terceiro guerreiro, A rainha da Era do Bronze, ou, ainda, Os pilares da Terra, a abordar a transposição da honra para o império espúrio das relações apodrecidas de poder entre Eclésia e Monarquia, num mundo de corrupção e sede pela apropriação do próximo.

HONRA é a palavra-chave que cercava e inspirava os antigos reinos e comunidades "bárbaras" pré-cristãs de cunho pagão, aparentemente "despojadas" do suposto valor que a cristandade evoca como "compaixão", mas que, de maneira "inexplicável" para nosso etnocentrismo míope, aproxima-se de um "reboco" de ideario "ocidental" (leia-se romanizado) de respeito ao inimigo, por intermédio do enfrentamento com que aqueles povos, de peito aberto e sem medo, lançavam-se rumo à verdade e à superação das mazelas que movem o humano.

O respeito às alianças feitas com outras pessoas honradas, bem como o repúdio aos pactos de falseamento, desonra, mentira e deslealdade eram a máxima nesses povos que praticavam o selo verbal, diante do clã, dos pactos de respeito à dignidade.

Uma ironia pois, posteriomente, tantas leis escritas no Império Romano não deram conta da manutenção da honra, porque, na civitas, a mentira e a corrupção da alma eram a constante nas relações humanas: prova que muito pouco os romanos aprenderam com os bárbaros em matéria de honra, dada, por exemplo, a existência de assassínios, conluios e traições senatoriais como marca maior desse, que é tido como exemplo de "civilidade".

Em outro ponto, na contramão do romano desleal, para alguns povos celtas, a escolha do rei ou da rainha não era feita levando-se em consideração etnia ou critério sanguíneo. Um rei ou uma rainha assim o eram porque, eivados de respeito e honra, eram naturalmente seguidos pelos integrantes da comunidade. A qualquer tempo em que a descrença na honra e na lealdade era observada, o rei ou a rainha eram desafiados para o combate justo, face à necessidade de se restabelecer a dignidade ofendida dentro do clã.

O respeito, a compaixão e a misericórdia, entre os antigos, eram invocadas legitimamente pela sustentação da palavra empenhada, nunca se estabelecendo o primado da hipocrisia e da leviandade na colocação da palavra ou de promessas que nunca poderiam ser cumpridas. O bravo guerreiro responderia pela irresponsabilidade no falar com sua própria vida, pois se desviar de sua palavra firmada era sinônimo de desrespeito à comunidade e aos ancestrais reverenciados. Mais do que isso, ante o estreito vínculo firmado entre indivíduo e grupo, desrespeitar o grupo é aniquilar a si, o bastante para não mais ser merecedor de dignificação.

A honra dos atos, pois, correspondia exata e pontualmente à sedimentação da palavra proferida na realidade física, palavra esta que não poderia ser desfeita sem prejuízo latente para a credibilidade que se imputava ao nobre guerreiro. Assim, o que residia na profundeza anímica do guerreiro - sua essência mais arraigada de alma e de caráter - era o que lançava o desejo a se tornar vontade e se transformar em atos, numa coerência interna ímpar, postulado de um código de unidade de espírito, mente e corpo.

Nessa seara de verdadeiro código litúrgico de honra, os povos chamados "bárbaros", ao contrário dos romanos - que expunham ao espetáculo aqueles que se opunham frontalmente ao jugo opressor - reverenciavam o "bom combate", a luta franca e justa em que oponentes olhavam nos olhos, um do outro, e, em face disso, travavam embates frente a frente, expondo a ira por meio do contato e da resolução direta, sem artifícios que pudessem colocá-los em desvantagem. Não apunhalavam ao menor sinal de virada de costas...

Até mesmo quando a espada do oponente quedava ao solo, seu desafeto, respeitando as regras seculares de honorabilidade, permitia - quando ele mesmo não o fazia - que o oponente pudesse pegar a arma, para que a dignidade no embate pudesse ser restabelecida. Isso era o digno, o leal, o correto a ser feito.

Em algumas tradições celtas, de outra sorte, existia o costume de se "rogar" o malefício na frente do inimigo. Assim, ao lado das blessings (benções), os celtas poderiam, sem o menor pudor, olhar para o inimigo e, em sua frente - nunca pelas costas - desejar que "sua colheita pereça e seu gado feneça", pois ser franco era sinômino de ser honrado.

O sistema político e moral, assim, era basicamente composto pelo respeito à honra do ser humano, quer fosse amigo, aliado, ou o mais odiado inimigo. Não importava, porque, ao final, ter honra e coragem de olhar no olho de quem se deseja o mal era tido como sincero e verdadeiro.

Mas na sublimação no poder da espada pelo império da palavra e do que se toma por "civilização cristã", perdeu-se, no meio do caminho, a honra em se lidar com a dificuldade e, mais do que isso, recalcou-se em dois mil anos de história a irascibilidade, convertida, dia após dia, em hipocrisia velada sob os auspícios de "espiritualidade da Nova Era", uma apologia mal-enjambrada, em nível cosmogônico, mentirosa e mascarada, que remete à logística da fraude: o pseudo-amor, a pseudo-compaixão, pseudo-honra.

Pseudo-tudo, eis o sentido da ilusão pós-moderna que embala as relações humanas recalcadas pelo proselitismo da palavra caritas...

A raiva e o desrespeito ao próximo alocaram-se do espaço público para a psiquê e, não sendo sublimadas, têm transformado as relações humanas num barril de pólvora pronto a explodir na desonestidade com a qual os seres humanos têm tratado seu semelhante, sobretudo aqueles e aquelas que se mostram como são, bem como mostram a que vieram.

Os guerreiros e as guerreiras honradas, dentro disso, quedam diuturnamente mortos em vida, não mais com espadas contundentes a perfurar seus corpos calejados, mas pela força do desconhecido e tortuoso caminho da manipulação, da mentira e da leviandade presentes nos discursos vazios, nas palavras vãs proferidas como via de embate implícito e, sobretudo, na deslealdade do cotidiano do falseamento de si...

Cada vez mais observamos nos contatos diários o descompasso entre o que se empenha de palavra e o que se materializa dela. A palavra, outrora designativa de crédito, de lealdade e de esforço e compromisso, transmuta-se, pouco a pouco, em searas de letras justapostas sem o menor sentido de dignidade, ferindo e matando, com atropelo, os sentimentos mais nobres que podem residir em uma pessoa.

Sim, a espada foi substituída pela força ferrenha da palavra que se mostra inicialmente sutil e doce, encobrindo, contudo, o nítido propósito de destruir o que existe de mais sagrado em um ser humano: seu coração, o músculo mais forte e paradoxalmente mais sensível - do ponto de vista etéreo - do corpo humano...

O calcanhar de Aquiles dos bravos guerreiros e guerreiras que militam pela luz e embatem dentro da honra não reside em outro local que não no meio do tórax...

São capazes de suportar os maiores meandros esses lutadores, mas, diante da deslealdade, caem, um a um, diante do império da sensualidade frasal que reside nas palavras vãs de quem deseja destruir o que existe de belo no mundo.

Em um dia, promessas são feitas, palavras são imantadas para o arquivo do Universo, adoçando o terno coração dos nobres e das filhas da Terra...

Noutro, punhaladas vindas do além-mundo transformam a honra em desonra, revelando, sob a couraça de um"humano sensível", um profano maquinário insensível ao outro. A oscilação entre a irresponsabilidade e a devoção nos coloca, cada vez mais, na contramão do crescimento espiritual, trazendo para nossos lares sagrados o inimigo invisível que sequer conseguimos saber, ao certo, se dorme conosco na mesma cama.

Reverencio o panteão da linhagem sagrada dos guerreiros e das guerreiras de minha família, de meu sangue ancestral que, há tempos, encontra-se nessa terra fincando raízes na honra, na lealdade e na dignidade.

Fortaleço - todos os dias em que invoco o largo panteão ancestral e conclamo a egrégora de luz dentro de mim - a assertiva de apenas ser o que sou para olhar, para quem quer que seja, olho no olho e dizer a que vim. Assim, de maneira simples, lutando o bom combate.

Eis o que tomo como pressuposto de vida. E de morte: lutar o bom combate, mesmo que entranhado em mim ainda resida o gérmen da mais espúria reticência de leviandade. Melhor cortar minha carne - para me lembrar de minha honra - do que viver uma vida sem glórias em relação à maneira como lido com meu semelhante. Recuso-me a tratar a vida e o próximo com a displicência de quem pouco se importa com o coração alheio, pois, como diria Saramago, "se tens um coração de ferro, bom proveito. O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo o dia".

Não profiro "eu te amo", "bom dia" ou, pior, "desculpa" sem que, internamente, imante toda essa energia, pois não é de fora para dentro que se constroi sentimento - por repetição e assertividade - mas sim de dentro para fora, por cultivo à amorosidade...

Com isso, entendo, temos o direito de desejar travar combates justos, honestos e, sobretudo, engendrados na luz... Claro que se corre o risco de ser mal interpretada exata e pontualmente por aquelas pessoas que, sob a escusa de estarem "no caminho zen da evolução" (leia-se, NEGANDO E RECALCANDO suas mazelas, e não as observando e administrando), acusam-nos de insensíveis, frias, calculistas, atribuindo-nos toda guisa de julgamento iconoclasta, povoado de desonra e mascarado de sentimentalismo banal e frívolo de pseudo compaixão e amorosidade.

Mas, dentro do que me disponho a fazer - olhar no olho - tomo até como um elogio tal perspectiva, porque, afinal, ela indica que a sinceridade é, ao final, respeitada no emaranhado de mentiras que as relações humanas se tornaram...

Esse é o caminho da guerreira: ser forte para suportar a intempérie da injustiça de quem se mostra como espúrio em seus propósitos, pois, ao final, os louros sobrelevam-se em relação aos fracassos.

Numa espiral histórica que se repete, o tempo dos combates nobres entre guerreiros que se respeitam esvai-se em pleno ar na pós-modernidade, pois a horda do ataque-surpresa, pelas costas e sem o menor critério, acena para a decadência voraz de uma "civilização" cada dia mais discursiva e menos comprometida com os ditames da honra...

Talvez seja por isso que tantas pessoas assistem aos filmes medievais: afinal, se não imantam dentro de si a honra, ao menos, em nível cinematográfico podem sentir o gosto do que é ser leal, honesto e verdadeiro.

Ser autêntica num mundo de mentira e falseamento de si é uma virtude que se cerca de um preço existencial muito alto, mas nobre de se pagar: a consciência ao final do dia e, mais tarde, ao final da vida, quando fechamos os olhos para abraçar a Morte e observamos que saímos daqui sem dramas em relação a ter enganado o outro.

Esse é o caminho de luz de uma boa guerra.

Céad mille fáilte!

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